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O INÍCIO DE UM SONHO

No início da década de 1970, Romulo Maiorana sonhava com uma emissora de televisão, que faltava para a completar o Grupo Liberal, até então formado pelo jornal O Liberal e pela rádio Liberal AM. 

No dia 18 de julho de 1973, o amigo Ossian Brito recebeu um telefonema de seu irmão, o coronel Wilson Brito, que era diretor técnico da TV Globo, avisando que o Diário Oficial da União daquela data trazia publicado um edital, autorizando o recebimento de propostas para execução e exploração de serviço de radiodifusão de sons e imagens, com as especificações técnicas necessárias. Ossian levou a notícia para Romulo Maiorana, que não conseguiu esconder o brilho nos olhos. Seria a chance de ter uma emissora de televisão.

Quando foi falar com Romulo Maiorana, Ossian estava decidido a não deixá-lo perder a oportunidade. Como não decidia nada sem pensar muito e não sem antes se aconselhar com esposa Déa Maiorana, Romulo mandou que fosse constituída uma sociedade com personalidade jurídica, a fim de entrar na concorrência. A ideia da Sociedade era tudo que Ossian Brito poderia desejar para dar início ao projeto.

O diretor da rádio Liberal, naquela época o jornalista Linomar Bahia, há algum tempo vinha estimulando Romulo a ter um canal de televisão. Em 72 horas, a Sociedade com personalidade jurídica estava formada. Dela participavam Ossian da Silveira Brito, que aparecia como responsável; Linomar Bahia, Walter Guimarães, Eládio Malato e Guaracy de Brito. Com toda documentação em ordem, a Sociedade entrava no páreo, ao lado de quatro grupos locais, que também queriam o controle do Canal 7. O ano de 1973 transcorreu na maior expectativa. Romulo Maiorana e seus amigos ainda precisariam esperar mais 18 meses para ver quem teria o direito de ficar com o novo canal. Um pouco depois do Círio de Nazaré de 1974, o telefone tocou na mesa de Linomar Bahia, avisando que aquela Sociedade havia vencido a concorrência.

O Diário Oficial da União, de 14 de novembro de 1974, publicava o decreto 74.979, assinado, na véspera, pelo presidente da República, general Ernesto Geisel, autorizando aquela Sociedade de natureza jurídica a operar o Canal 7, em Belém. O registro do contrato feito entre a TV Liberal, que nasceu com o nome de TV Belém Ltda., e a União Federal foi feito na pasta de assentamentos cadastrais da Divisão Jurídica do Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel), no dia 12 de dezembro de 1974.

Euclides Quandt de Oliveira, ministro das Comunicações, no momento da assinatura da concessão do canal 7. Foto: acervo O Liberal.

Passaram seis meses e novo documento importante entraria para a história da TV. No dia 4 de julho de 1975, o Dentel autorizava o Grupo Liberal a instalar estúdio e transmissor no prédio 254, da rua Gaspar Viana, no Centro de Belém, onde já estavam a Rádio Liberal e o jornal O Liberal. Nesse momento, o coronel Wilson Brito verificou que o edifício não teria estrutura para receber uma emissora de televisão. Foi a partir daí que Romulo Maiorana autorizou a compra de um terreno onde pudesse instalar, com todas as condições, a sua televisão. Quando dizia que “queria o melhor para o Canal 7”, não estava brincando.

Especial “Romulo Maiorana – 100 anos de história”, de 2022, conta como foi a construção e inauguração da TV Liberal.

A CONSTRUÇÃO DA TV LIBERAL

Para escolher o local onde seria construído o prédio da televisão, Ossian Brito, o coronel Wilson Brito e Linomar Bahia saíram pela cidade, olhando terrenos. Encontraram, na avenida Nazaré, ao lado da Alameda São Luiz, aquele que parecia ideal. Era época das chuvas e os três tiveram a mesma intuição: se aquele terreno possuísse as dimensões exigidas no edital, a TV Liberal funcionaria ali mesmo. Eles desceram do carro e, como não tinham uma fita métrica, conferiram, por debaixo d’água, “pé-ante-pé”, de acordo com Linomar Bahia, as medidas do terreno. Estava definido o berço da TV Liberal.

As negociações para a compra do terreno não foram fáceis. Afinal, tratava-se da área mais nobre da cidade. Mas deu tudo certo e a TV Liberal começava a ser construída.

Registros da construção da sede da TV Liberal, na Avenida Nazaré, em 1975. Fotos: acervo O Liberal.

A construção da sede da TV foi realizada em tempo recorde. Com 14 meses de antecedência, a TV Liberal já estava no ar.

Placa anuncia as futuras instalações da TV Liberal, na Avenida Nazaré, 350. Fotos: acervo O Liberal.

INAUGURAÇÃO

A cerimônia foi grandiosa. Os 500 convites foram expedidos com a antecedência exigida pelo protocolo e, de Brasília, vinha a confirmação: o ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira, em nome do presidente da República, estaria presente. Essa viagem determinou mais uma antecipação de quatro dias no cronograma da inauguração, prevista para acontecer no dia 1° de maio, data em que começaria a vigorar o contrato com a TV Globo. Havia um clima de expectativa. Afinal, depois de um período de experiência, a TV entraria, definitivamente, no ar, com pelo menos duas imensas vantagens sobre as que já existiam: a programação começaria às 10 da manhã (as demais só iniciavam suas operações no fim da tarde) e era totalmente colorida. Imagens em preto e branco estavam condenadas a virar história.

Primeira grade de programação da TV Liberal, divulgada na edição de O Liberal de 27 de abril de 1976. Fotos: acervo biblioteca Arthur Vianna.

 

Reportagem em O Liberal destaca a programação e os diferenciais tecnológicos da TV Liberal, em 27 de abril de 1976. Foto: acervo biblioteca Arthur Vianna.

A inauguração da TV Liberal foi o assunto do dia, em Belém. A cidade receberia o ministro das Comunicações, artistas da TV Globo, personalidades ligadas aos meios de comunicação do Brasil inteiro. A festa foi transmitida ao vivo. Foi realizada no prédio da avenida Nazaré, do qual o jornalista Romulo Maiorana assistiu, por muitos anos, à passagem do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, ao lado de dona Déa, dos filhos, de amigos e de funcionários das empresas.

Edição de O Liberal de 28 de abril de 1976, dia seguinte à inauguração da TV Liberal. Foto: acervo O Liberal.


Edição de O Liberal de 28 de abril de 1976, dia seguinte à inauguração da TV Liberal. Foto: acervo O Liberal.

Mesmo sabendo que os equipamentos estavam em ordem e que a TV Liberal começaria sem nenhum problema operacional, Romulo Maiorana estava inquieto. Nada poderia dar errado. Habituado às grandes emoções do jornalismo, Romulo Maiorana atravessou o dia 27 de abril de 1976 na expectativa daquela que seria a grande manchete de O Liberal, no dia seguinte, e da qual ele seria a personagem mais importante. A tensão era tanta que o organismo reagiu. Acordou, na data da inauguração, com sintomas de gripe. Ao longo do dia, a febre só fez aumentar. Quando leu o discurso de inauguração, estava com quase 40 graus. Ao seu lado, dona Déa também ardia em febre. Era tudo fruto da emoção.

Mais tarde, na sede social da Assembléia Paraense, na avenida Presidente Vargas, foi realizado um jantar, com direito à apresentação da grande estrela do momento – a cantora Perla – para comemorar a data. Os convidados souberam compreender a ausência dos anfitriões e brindaram à saúde do casal. “Aquilo foi puro nervoso. O Romulo estava uma pilha e eu peguei dele a ansiedade. No final, graças a Deus deu tudo certo”, lembra dona Déa, em relato para o livro “Memória da TV Paraense e os 25 anos da TV Liberal”.

Ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira; Déa e Romulo Maiorana na inauguração da TV Liberal. Foto: acervo O Liberal.

Se para quem estava do lado de dentro a inauguração do Canal 7 foi transformada num grande evento social, para quem acompanhava, do lado de fora, a chegada dos convidados, aquele momento era uma atração à parte. Afinal, as mais importantes autoridades da República, do Estado e do Município entrariam no prédio da TV Liberal. Além deles, a cidade teria a chance de ver de perto as pessoas que conhecia apenas pelo jornal.

Registro de O Liberal, de 28 de abril de 1976, mostra dezenas de pessoas acompanhando a inauguração da TV Liberal do lado de fora, em frente ao prédio da emissora. Foto: acervo O Liberal.

Eram 19h10, quando a sirene do jornal O Liberal soou. Nesse momento, o ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira, acionou o botão que colocou no ar, definitivamente, a TV Liberal.

Autoridades, representantes da TV Globo e convidados acompanham a entrada da emissora no ar diretamente do Complexo Técnico. Foto: acervo O Liberal.

Depois de inaugurada, a TV ainda exibiu por três dias uma programação especial, até que, em 1° de maio, integrou-se, definitivamente, à Rede Globo.

Programação especial nos primeiros dias da nova emissora. Foto: acervo O Liberal.

A sede da TV Liberal ficou lotada de autoridades e convidados especiais na noite de inauguração da emissora, em em 27 de abril de 1976. Foto: acervo O Liberal.

Romulo Maiorana cumprimenta autoridades. Entre elas, Euclides Quandt de Oliveira, então ministro das Comunicações. Foto: acervo O Liberal.

O DISCURSO DE INAUGURAÇÃO

“Não viemos para ser servidos, mas para servir”, disse Romulo Maiorana em discurso pela inauguração da TV Liberal. Foto: O Liberal.

“Por coincidência feliz, o ilustre ministro Euclides Quandt de Oliveira marcou para hoje a inauguração da TV Liberal – Canal 7. Estamos às vésperas do Dia das Comunicações. E nada mais significativo e apropriado para assinalar o transcurso da data que é a instalação de mais uma base do sistema brasileiro de comunicações, dentro de uma região que, por suas condições geográficas e circunstâncias outras, acumuladas ao longo dos anos, somente agora, com extraordinário avanço da ciência e da tecnologia, se vê, realmente, integrada à comunicação nacional. De fato, não tem sido fácil – antes difícil e penoso – o acesso e a assimilação pela Amazônia, das maravilhosas conquistas desse desenvolvimento e crescimento. É possível, porém, que no campo das comunicações, e, graças à política patriótica e revolucionária dos governantes e técnicos responsáveis pelo setor, a Amazônia, hoje, percorridos e ultrapassados os estágios preliminares do desenvolvimento para se equiparar à área de grande progresso do país e até do mundo. Há séculos, isolada, distante, confinada, inacessível, a região, hoje, dispõe de um impressionante e sofisticado sistema de comunicações, que a coloca permanentemente em contato com todas as partes do país, integrando-se ao contexto nacional e tornando, assim, mais íntimos e mais fortalecidos os laços de solidariedade e fraternidade entre os brasileiros.

É exatamente por isso que, mais do que qualquer outra região do Brasil, a Amazônia em geral, e o Pará em particular, podem avaliar a sabedoria e a eficácia da política nacional no setor das comunicações, ao mesmo tempo que tem mais condições de sentir o valor da presença de veículos como este que hoje se incorpora à rede brasileira, tanto mais quanto o eminente presidente Ernesto Geisel, com a competente assessoria de seu ministro das Comunicações, decidiu entregar a concessão de mais um canal de televisão em Belém, a um grupo genuinamente paraense, de comprovada e irrepreensível tradição de serviços à comunidade em outros importantes segmentos da comunicação social. Talvez, assim, fosse dispensável, nessa hora, a reiteração de nosso juramento de bem servir ao Brasil e ao Pará porque esta tem sido a constante e invariável da linha de ação do Grupo Liberal. Mas a solidariedade histórica deste instante, enriquecida pela presença do governador Aloysio da Costa Chaves, do preclaro ministro Quandt de Oliveira, dos ilustres chefes dos Poderes Legislativo e Judiciário, dos valorosos comandantes militares da área, dos consagrados líderes das forças produtoras e das correntes dos líderes da imprensa e opinião pública, além da confortadora e honrosa solidariedade da família paraense, aqui tão expressamente representada, deve ser usada – e usada sagradamente – está nesse momento para que, mais uma vez, com sinceridade e humildade, reafirmaremos o compromisso de colocar, também, a TV Liberal a serviço exclusivo da grandeza, do bem-estar e da prosperidade do Pará e do Brasil. Assim Deus nos ajude, como generosamente tem feito até hoje, e assim não nos falte o estímulo e a confiança, sempre renovados, dos Poderes constituídos, das classes e no estímulo e profissionais e de toda a comunidade paraense, que, para orgulho nosso, e consciência permanente de nossa responsabilidade, têm acompanhado a todas as nossas ações.

Senhoras e senhores, neste instante, com muita emoção, com muita alegria, com a consciência do dever cumprido e com entusiasmo redobrado para prosseguir a nova caminhada entregamos ao povo paraense – ao querido e solidário povo do Pará – a televisão Liberal – Canal 7, sonho de ontem e realidade de hoje, que estará, como sempre estiveram e estão suas co-irmãs Rádio Jornal Liberal e o jornal O Liberal e, em associação técnica e artisticamente à Rede Globo de Televisão, de Roberto Marinho e Walter Clark, a serviço da cultura, do desenvolvimento e do progresso do Brasil. Reverentemente, repetimos a palavra de Cristo: “não viemos para ser servidos, mas para servir”.”